Saúde mental durante a pandemia

Em agosto de 2020 conversei sobre saúde mental durante a pandemia no Programa Charme da TV Galega.
Confira abaixo o resumo do que foi tratado no vídeo.

Apresentadora:
A Organização Mundial da Saúde e todos comentam que a saúde mental da população se agravou muito devido à pandemia. Qual a sua experiência clínica, com os pacientes? Como você vê esse quadro?

Ricardo:
Se eu quisesse deixar alguém ansioso, estressado e deprimido, o que eu iria orientar a ele? Fique em casa. Eu diria: não saia, não se exercite, deixe de se distrair e foque somente em problemas.
O que acontece é que, agora, que as coisas já estão começando a se organizar e está acontecendo o chamado "achatamento da curva", qual é a consequência disso? Justamente é o desenvolvimento dessas situações de estresse.
Então, o que teremos é um epidemia de piora de quadros de ansiedade e depressão, principalmente. Porque as pessoas estão com incerteza se elas vão ficar com saúde.
Sintomas de gripe, atualmente, podem causar morte. Até antes, era tranquilo ficar gripado, pois se sabia que ia passar. Mas, agora, se eu começo a ter uma dor de cabeça, se eu começo a ter qualquer outro sintoma... Eu tenho ouvido os pacientes falando que isso já pode ser um anúncio do Covid.

Apresentadora:
Até de uma dor de cabeça as pessoas tem medo.

Ricardo:
É... Antes era um tumor, agora pode ser Covid.
E essa incerteza... Essa ideia da ameaça faz com que as pessoas fiquem mais estressadas e não tenham como se distrair. Elas ficam mais focadas no problema. Então isso acaba gerando, fomentando, piorando a situação atual.
O foco da minha atenção é que vai ser o fermento para essa questão crescer. Quanto mais eu dou atenção a algo, mais aquilo fica importante para mim e mais intensamente eu percebo. Por exemplo, se eu tento não pensar em algo, eu estou pensando naquilo. E essa tentativa de "não pensar" é pensar, é dar atenção e faz com que o problema aumente.

Apresentadora:
Pelo o que posso perceber, então, as duas principais doenças desencadeadas pelo o que estamos vivendo seriam a depressão e a ansiedade. E o medo... Eu posso chamar o medo de ansiedade também, né?

Ricardo:
É um contínuo. Eu fico estressado, e o estresse é uma resposta normal do organismo para tentar me preparar para lidar com o problema. Esse problema, se ele não é solucionado, se o estresse continua, ele acaba virando um quadro de ansiedade. É o que a gente pode chamar de ansiedade generalizada, que são as preocupações crônicas.
A ansiedade crônica entra em falência, ela me cansa. E, com isso, eu começo a deprimir.
A depressão tem predominantemente dois sintomas, que são: a tristeza e o desânimo. Não necessariamente a tristeza, mas o desânimo sim. A pessoa começa a ficar apática, não acha graça nas coisas, já não dorme bem, tem alteração da energia, na gratificação das coisas. A autoestima começa a diminuir e ela começa a ficar mais sensível ao escrutínio dos outros, a avaliação dos outros. A ideia de mundo e de si próprio começa a ficar mais negativa. Tudo isso já são sintomas da depressão. Antes disso, nós vamos ter os quadros de ansiedade.
A ansiedade, propriamente, faz com que a pessoa tenha a percepção de estar sendo ameaçada, nesse caso, pode ser pelo vírus, pode ser pela incerteza econômica. Então, nesse caso, alguma coisa está ameaçando a minha integridade física ou moral. Os quadros de ansiedade têm essa interpretação: a pessoa se sente ameaçada. Só que, geralmente, eles são muito crônicos. Só fica assim quem tem uma tendência, usualmente genética. Mas, se, por exemplo, a grande parte das pessoas... Se elas começam a não se exercitar, se elas começam a focar muito em problemas, a não se distraírem com algumas coisas... Isso acaba favorecendo e elas vão piorando.
Tanto que existem alguns pacientes que eu tenho que dizer para eles: "ou você começa a se exercitar regularmente, ou você fica assim ad infinitum, porque, no seu caso, você precisa". Como no caso da saúde bucal, precisamos escovar os dentes, para ficar bem da cabeça, precisamos nos exercitar. Porque, na verdade, não existe separação entre o cérebro e o corpo ou mente e corpo. Tudo é um conjunto. Eu tenho que ter um corpo bom, com um bom condicionamento para conseguir ter a melhor resposta da minha "máquina cerebral".

Apresentadora:
E quando é que a gente sabe qual é o momento ideal para procurar ajuda médica? Como saber a diferença entre uma tristeza que pode ser passageira de uma depressão? Qual é o momento?

Ricardo:
Na tristeza, você fica triste, mas isso não interfere no que você está fazendo no dia a dia. Você dá conta. E a percepção subjetiva de sofrimento. Eu pergunto para os paciente assim: "De 0 a 10, que nota você dá para o seu sofrimento?". Eles me dizem assim: "Ai doutor, eu estou com 6 ou 7... 9, 10". Às vezes, 11 de sofrimento.Mas quando a nota subjetiva que a pessoa dá, por exemplo, 3 ou 4, é sinal de que com a psicoterapia, com alguma mudança do estilo de vida, já está ok. Já consegue mudar.
Então, não há um corte.  "Aqui é problema e aqui não há problema". Não. É um contínuo. Eu não consigo dizer, pois isso é subjetivo. Só parte a ser problema quando a pessoa começa a interpretar como tal. Isso para os quadros de ansiedade e depressão. Qual é o problema? Quem está nos ouvindo vai identificar muitos conhecidos assim: a pessoa está ruim e com essa piora do funcionamento há uma baixa crítica. E ela não nota que ela não está "funcionando" bem.
Ela não percebe. Então, todos os dias, de manhã e de tarde, eu tenho no consultório alguém que chega assim: "Doutor, eu não sei porque eu vim aqui, mas a minha esposa/meu marido marcou pra mim". Porque é normal que, conforme eu for ficando doente, eu vou baixando meu senso crítico e não vou me percebendo.
A pessoa tem os rompantes de raiva, tem o quadro de ansiedade, está funcionando mal. E ela nega. Porque o próprio fato de não estar funcionando adequadamente, o mecanismo de proteção nega.
Quando a gente se depara com uma situação muito assustadora, o que ocorre? "Isso não está acontecendo".

Apresentadora:
É a primeira reação é a negação?

Ricardo:
É a primeira reação, no nível mais básico. E com tudo isso que nós estamos vivendo agora, o ser humano está tendo uma grande oportunidade de se desenvolver. Só que ninguém quer isso, porque esse desenvolvimento, se ele não vem pelo amor, pelo próprio aprimoramento, ele vai vir com a dor. E dá trabalho. Quanto mais resistência você tiver, mais você quer que as coisas sejam do seu jeito e mais trabalho você tem. Por isso aquela frase, até chula: "Aceita que dói menos". É verdade.
A dor diminui quando você aceita, a angustia diminui quando você relaxa o corpo e aceita. Você se salva de um afogamento se você relaxa. Você acaba boiando. Então, existem horas, quando você não tem nenhuma alternativa, que o que você deve fazer é justamente relaxar e deixar passar.
embre que vai passar. Construa fé e esperança. É passageiro. Não tem bondade que dure para sempre, mas também não há coisa ruim que vá durar para sempre. Se as coisas estão assim, o que eu posso tirar de proveito? Não uma aceitação passiva, no sentido de dolosa, de ser também conivente. Mas uma aceitação no sentido de "sim, o problema existe, mas o que eu posso fazer em relação a isso?". O que eu posso aproveitar dessa situação? Então, se está em casa, o que você pode fazer para lidar com isso? Transforme o problema em uma oportunidade de crescimento.
Se você está sozinho e você não está feliz, é sinal de que você não é uma boa companhia. Faça as pazes consigo mesmo. Comece a ver os seus pontos fortes. Se não tem nenhum, ok. Desenvolva. Use do que você tem para o crescimento.

Apresentadora:
E também não ter vergonha ou receio de procurar ajuda médica, né? Como você falou, muitas vezes quem marca a consulta são os familiares. É difícil partir da própria pessoa essa iniciativa.

Ricardo:
É muito comum a pessoa não entender que ela está podendo ser ajudada. Para quadros de estresse, ansiedade e depressão, só não melhora quem não faz o tratamento. Quem não procura ajuda. Porque nós temos remédios, abordagens de terapias muito boas, mudanças no estilo de vida... O que as pessoas precisam é entender que aquilo que as faz sofrer é, na verdade, um chamado de atenção para alguma mudança do estilo de vida. Do estilo de se enxergar e enxergar o mundo.
Mas aí, o que precisa? Se comprometer com a mudança. E essa mudança é, justamente, inserir no dia a dia o autocuidado. Assim como a pessoa toma banho e escova os dentes, ela precisa aprender práticas de relaxamento e, também, de atividade física. Isso é imprescindível para quem tem problemas de ansiedade e depressão.

Apresentadora:
Quais técnicas de relaxamento que você indica?

Ricardo:
Mindfulness, atenção plena. Meditação. Eu sugiro ioga também. Tem gente que consegue meditar correndo, caminhando. Depois que você está fazendo o básico, você procura alguma coisa no sentido de propósito de vida. Dar o valor para aquele instante, para o que você está fazendo. Estar alinhado com isso.

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